Yoga não é remédio!
Aviso de gatilho: automutilação infantil.
A automutilação é qualquer comportamento intencional que cause dano ao próprio corpo, geralmente como uma forma de lidar com sentimentos intensos ou situações difíceis.
Este texto é uma reflexão em defesa das crianças sofrendo de ansiedade, a quem são oferecidas "soluções" que as privam (e a seus pais) de compreender do que a criança realmente está precisando e a miríade de possibilidades à sua disposição para cuidar bem de sua saúde mental.
A automutilação é qualquer comportamento intencional que cause dano ao próprio corpo, geralmente como uma forma de lidar com sentimentos intensos ou situações difíceis.
Este texto é uma reflexão em defesa das crianças sofrendo de ansiedade, a quem são oferecidas "soluções" que as privam (e a seus pais) de compreender do que a criança realmente está precisando e a miríade de possibilidades à sua disposição para cuidar bem de sua saúde mental.
Ademais, o que serve para uma pode não ter serventia para outra! Se yoga fosse a única solução bastava o mundo inteiro fazer yoga e não existiria mais ansiedade. Falo isso como professora de yoga para crianças.
Para cuidarmos bem de nós mesmos e oferecermos o melhor para as crianças é mister nutrir o pensamento crítico.
Leia abaixo!
A mãe disse que a criança gostou muito da aula, mas ela optou por outro local, apenas de yoga, porque “o médico recomendou yoga”. Ele não recomendou arte. Apenas yoga. A criança, uma menina, recebeu um diagnóstico de ansiedade.
Ao longo de toda a aula avulsa que fez comigo observei que ela arranhava o canto das unhas. “Está tudo bem, você se machucou na postura?”, perguntei para me aproximar. “Não! Tá tudo bem”. Eu sei que não está. “O que foi nos dedinhos?”. Ela me mostrou as mãos, com os cantinhos das unhas feridos. “Coça”, ela disse. A ferida que ela mesma causa em si coça sem parar.
Quando a mãe me comunicou que ela não seguiria com as aulas no Ateliê, meu coração se apertou de tristeza pela impossibilidade de poder acompanhar aquela criança e lhe oferecer um pouco mais do que a maravilhosa ciência do yoga. A meu ver existe uma necessidade naquela menina que pode ser suprida de inúmeras formas.
Quando um médico recomenda yoga muitas pessoas recebem essa sugestão como se fosse a prescricão de um remédio a ser tomado na dosagem exata. Não é yoga + arte e nem “yogadance”. Aula de música não serve. Nem balé, caratê, natação. Se na receita está escrito paracetamol saímos da farmácia com paracetamol na sacola.
Porém, a bem da verdade: YOGA NÃO É REMÉDIO!
Socialmente respeitamos a figura do médico como alguém que sabe muito mais do que nós e dificilmente questionamos sua opinião. Eu vou questionar. Sigamos com o artigo do dia.
Existe uma intensa energia naquele corpo pequeno de criança, com a qual o sistema dela está lidando da melhor forma que pode, mas disfuncional, através de uma automutilação. Ela está emocionalmente sobrecarregada. Por isso antes de yoga eu ocuparia suas mãozinhas com arte: massa escolar, massa fria, argila. Para que ela pudesse direcionar e utilizar a energia disponível alcançando um objetivo visível.
Eu a colocaria para desenhar com mídias secas, para que ela sentisse a resistência e a textura do material se espalhando sobre o papel: pastel oleoso, giz, lápis de cor. Evitaria o pincel em um primeiro momento (mas o disponibilizaria se ela pedisse) e a colocaria para pintar com as mãos. Ela ouviria música o tempo todo. Que tipo de música? A que a fizesse sorrir, sonhar, cantar e dançar.
Sim, faríamos yoga também. Na yoga ela faria séries curtas em repetição. A previsibilidade lhe daria segurança. E a segurança de habitar o próprio corpo é fundamental para essa criança. Aqui abro um parênteses para lembrar aos leigos em trauma que práticas de conexão com o corpo podem ser um gatilho pois conectar com o corpo significa se conectar com emoções que a pessoa está lutando para evitar. É preciso gentileza, conhecimento e empatia para lidar com todas as crianças, especialmente as que chegam com diagnósticos cujas origens desconhecemos.
A aula teria muita brincadeira, muita liberdade. Muita escuta compassiva. Muita observação atenta das reações dela às atividades. Muita flexibilidade no plano de aula. Muito, muito espaço pra ela falar de si, da Vida. Eu seguiria os seus sorrisos. E daria mais espaço para tudo que mantivesse seus dedinhos produzindo arte e movimento ao invés de feridas na própria carne.
Nada disso substitui médico, terapia, arteterapia e até mesmo uma aula “só de yoga”. São coisas diferentes. A mãe fez a escolha dela dentro da sua visão do que melhor poderá servir à filha. Ok. “Yoga”. O médico disse. Só yoga. Tudo bem.
As primeiras manifestações artísticas conhecidas datam de 30 mil anos a.C. Há evidências de que outras espécies de hominídeos além do Homo sapiens também produziram formas de arte. Mas ela segue sendo vista como “desnecessária”. Um passatempo. Ou algo para ser apreciado de longe, dentro de museus. Ou que a criança pode fazer sozinha em casa – e pode e deve! – sem função em uma abordagem educativa. Por que pagar por uma aula de arte?? Pega a o valor da mensalidade, compra um monte de material e deixa a criança desenhar em casa, não é mesmo?
Uma mãe que acompanhou algumas aulas chegou a me pedir para dar "menos arte" para seu filho (a única prática na qual ele engajava por alguns minutos).
Não é fácil oferecer um serviço que socialmente somos ensinados a desprezar como inútil. Mas sigo tentando educar os adultos. Sem que eles entendam o quanto fazer arte pode ajudar os seus filhos as crianças não terão acesso a todas as maravilhas que as ARTES (não apenas a visual) podem lhes oferecer.
Ouvimos música e assistimos filmes, nos relacionando de forma majoritariamente passiva com as manifestações artísticas. Quem sabe em um mundo completamente dominado por telas e algoritmos no qual robôs substituirão humanos aos milhares (milhões?) e a dissociação da nossa natureza humana levar a índices cada vez maiores de problemas de saúde mental em todas as idades, TALVEZ quando a situação estiver mais grave do que já se apresenta vamos (re)aprender a dar valor à AÇÃO TÃO HUMANA DE PRODUZIR ARTE.
E finalmente entender que precisamos dela.
Não apenas admirar o cantor no palco, mas cantar. Não apenas ler poesia mas escrever. Não apenas visitar uma exposição no museu mas sentar na grama com um pequeno bloco de papel e aquarelas baratas e pintar por alguns minutos.
Quando os adultos vão enxergar o que está diante dos seus olhos?
Fazer arte é tão ou mais relaxante para uma criança do que meditar. É tão ou mais fácil para uma criança entrar em um estado profundo de concentração pintando uma tela do que sentada de pernas cruzadas prestando atenção na sua respiração com os olhos fechados. Fazer arte é nos conectar com a nossa natureza humana. A arte reflete quem somos, o que desejamos, o que sonhamos, o que nos choca, impressiona e define. A arte traz à tona nosso inconsciente e nos permite processar emoções difíceis sem dizer uma palavra.
Quando é que os médicos vão começar a recomendar desenhar, colorir e pintar para crianças em angústia emocional tanto quanto estão atualmente recomendando yoga?
Talvez seja necessário o psiquiatra americano Bessel Kolk escrever um novo livro, compartilhando resultados de workshops de arte feitos com veteranos de guerra nos Estados Unidos! Bessel, faça esse favor à humanidade!
Carol Dib
Leia abaixo!
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Ao longo de toda a aula avulsa que fez comigo observei que ela arranhava o canto das unhas. “Está tudo bem, você se machucou na postura?”, perguntei para me aproximar. “Não! Tá tudo bem”. Eu sei que não está. “O que foi nos dedinhos?”. Ela me mostrou as mãos, com os cantinhos das unhas feridos. “Coça”, ela disse. A ferida que ela mesma causa em si coça sem parar.
Quando a mãe me comunicou que ela não seguiria com as aulas no Ateliê, meu coração se apertou de tristeza pela impossibilidade de poder acompanhar aquela criança e lhe oferecer um pouco mais do que a maravilhosa ciência do yoga. A meu ver existe uma necessidade naquela menina que pode ser suprida de inúmeras formas.
Quando um médico recomenda yoga muitas pessoas recebem essa sugestão como se fosse a prescricão de um remédio a ser tomado na dosagem exata. Não é yoga + arte e nem “yogadance”. Aula de música não serve. Nem balé, caratê, natação. Se na receita está escrito paracetamol saímos da farmácia com paracetamol na sacola.
Porém, a bem da verdade: YOGA NÃO É REMÉDIO!
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Existe uma intensa energia naquele corpo pequeno de criança, com a qual o sistema dela está lidando da melhor forma que pode, mas disfuncional, através de uma automutilação. Ela está emocionalmente sobrecarregada. Por isso antes de yoga eu ocuparia suas mãozinhas com arte: massa escolar, massa fria, argila. Para que ela pudesse direcionar e utilizar a energia disponível alcançando um objetivo visível.
Eu a colocaria para desenhar com mídias secas, para que ela sentisse a resistência e a textura do material se espalhando sobre o papel: pastel oleoso, giz, lápis de cor. Evitaria o pincel em um primeiro momento (mas o disponibilizaria se ela pedisse) e a colocaria para pintar com as mãos. Ela ouviria música o tempo todo. Que tipo de música? A que a fizesse sorrir, sonhar, cantar e dançar.
Sim, faríamos yoga também. Na yoga ela faria séries curtas em repetição. A previsibilidade lhe daria segurança. E a segurança de habitar o próprio corpo é fundamental para essa criança. Aqui abro um parênteses para lembrar aos leigos em trauma que práticas de conexão com o corpo podem ser um gatilho pois conectar com o corpo significa se conectar com emoções que a pessoa está lutando para evitar. É preciso gentileza, conhecimento e empatia para lidar com todas as crianças, especialmente as que chegam com diagnósticos cujas origens desconhecemos.
A aula teria muita brincadeira, muita liberdade. Muita escuta compassiva. Muita observação atenta das reações dela às atividades. Muita flexibilidade no plano de aula. Muito, muito espaço pra ela falar de si, da Vida. Eu seguiria os seus sorrisos. E daria mais espaço para tudo que mantivesse seus dedinhos produzindo arte e movimento ao invés de feridas na própria carne.
Nada disso substitui médico, terapia, arteterapia e até mesmo uma aula “só de yoga”. São coisas diferentes. A mãe fez a escolha dela dentro da sua visão do que melhor poderá servir à filha. Ok. “Yoga”. O médico disse. Só yoga. Tudo bem.
As primeiras manifestações artísticas conhecidas datam de 30 mil anos a.C. Há evidências de que outras espécies de hominídeos além do Homo sapiens também produziram formas de arte. Mas ela segue sendo vista como “desnecessária”. Um passatempo. Ou algo para ser apreciado de longe, dentro de museus. Ou que a criança pode fazer sozinha em casa – e pode e deve! – sem função em uma abordagem educativa. Por que pagar por uma aula de arte?? Pega a o valor da mensalidade, compra um monte de material e deixa a criança desenhar em casa, não é mesmo?
Uma mãe que acompanhou algumas aulas chegou a me pedir para dar "menos arte" para seu filho (a única prática na qual ele engajava por alguns minutos).
Não é fácil oferecer um serviço que socialmente somos ensinados a desprezar como inútil. Mas sigo tentando educar os adultos. Sem que eles entendam o quanto fazer arte pode ajudar os seus filhos as crianças não terão acesso a todas as maravilhas que as ARTES (não apenas a visual) podem lhes oferecer.
Ouvimos música e assistimos filmes, nos relacionando de forma majoritariamente passiva com as manifestações artísticas. Quem sabe em um mundo completamente dominado por telas e algoritmos no qual robôs substituirão humanos aos milhares (milhões?) e a dissociação da nossa natureza humana levar a índices cada vez maiores de problemas de saúde mental em todas as idades, TALVEZ quando a situação estiver mais grave do que já se apresenta vamos (re)aprender a dar valor à AÇÃO TÃO HUMANA DE PRODUZIR ARTE.
E finalmente entender que precisamos dela.
Não apenas admirar o cantor no palco, mas cantar. Não apenas ler poesia mas escrever. Não apenas visitar uma exposição no museu mas sentar na grama com um pequeno bloco de papel e aquarelas baratas e pintar por alguns minutos.
Quando os adultos vão enxergar o que está diante dos seus olhos?
Fazer arte é tão ou mais relaxante para uma criança do que meditar. É tão ou mais fácil para uma criança entrar em um estado profundo de concentração pintando uma tela do que sentada de pernas cruzadas prestando atenção na sua respiração com os olhos fechados. Fazer arte é nos conectar com a nossa natureza humana. A arte reflete quem somos, o que desejamos, o que sonhamos, o que nos choca, impressiona e define. A arte traz à tona nosso inconsciente e nos permite processar emoções difíceis sem dizer uma palavra.
Quando é que os médicos vão começar a recomendar desenhar, colorir e pintar para crianças em angústia emocional tanto quanto estão atualmente recomendando yoga?
"Livro de colorir é uma dádiva de Deus para pessoas em estado de ansiedade elevado" (Lucy Easthope, especialista inglesa em planejamento de emergência e recuperação de desastres).
Talvez seja necessário o psiquiatra americano Bessel Kolk escrever um novo livro, compartilhando resultados de workshops de arte feitos com veteranos de guerra nos Estados Unidos! Bessel, faça esse favor à humanidade!
Carol Dib